quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Servidores da verdade

Quando pela primeira vez Jesus encontra Natanael, refere-se a ele como um homem em quem não há falsidade (cf. Jo 1,47). O Senhor reconheceu nele uma figura transparente, diáfana em que não há dicotomia entre o interior e o exterior, entre o que verdadeiramente pensa e o que concretamente exprime em atos e palavras.

O valor da autenticidade permanece em baixa na sociedade da imagem e da aparência. Buscando corresponder às suas expectativas, procura-se ser o que não se é. A tentativa, por exemplo, de viver nos ditames do mundo da moda, leva muitos a fazer altos gastos que na verdade fogem às suas possibilidades. Contraindo sérios débitos que, por vezes, não são capazes de honrar.

A falta de autenticidade diz respeito também às pessoas para consigo mesmas. Vivem uma ideia de si próprias que não corresponde à realidade.  Pode-se chegar a uma auto-alienação em que a pessoa não se dá conta de si. Ainda pior, a máscara colocada ou o papel vivenciado vão se tornando uma realidade com a qual a pessoa se identifica. Deixa de ser ela mesma.

Em âmbito relacional, chega-se a até à hipocrisia. Há quem vive em mudanças contínuas porque busca  adaptar-se aos gostos de quem se mantém em contato, aqueles que estão “por cima”. Torna-se progressista ou conservador conforme for necessário. Não existem mais convicções, certezas. O que importa é agradar quem está no comando. Esquece-se que o contraponto é extremamente enriquecedor na busca de encontrar o melhor.

Há quem ainda recorra às bajulações, aos elogios desmedidos – quem está de fora percebe claramente a inautenticidade do que se diz – procurando estabelecer relações que considera necessárias e proveitosas em benefício próprio. Em certos casos, estabelece-se um verdadeiro e próprio jogo de hipocrisia. Trata-se de uma diplomacia impostada na recíproca falsidade: as partes vivem um jogo falso: finge-se dizer algo verdadeiro, bem como finge-se acreditar na pseudo-verdade.

O deletério disso tudo é o comprometimento de um valor tão fundamental como o da verdade. Este, na hierarquia dos valores, situa-se entre os fundamentais. Aristóteles afirmava que preferia a verdade à amizade. Sem dúvida, quando as relações não são construídas na verdade, elas são como castelos feitos na areia, não têm consistência e se desfazem muito facilmente.

Somos seguidores daquele que se autodefiniu como a verdade: eu sou o caminho, a verdade e a vida (Jo 14,6). Como afirma o próprio Jesus, o nosso viver deve ser sim, sim ou não, não. O que passa disso vem do Maligno (cf. Mt 5,37). Nesse sentido, a verdade e a vida são duas referências fundamentais que devem caracterizar a vida do discípulo de Cristo. Um viver que é engano para si próprio e para os outros é, na verdade, um viver demoníaco como assim nos relatam as primeiras páginas do livro do Gênesis.

É preciso viver a diaconia da verdade, que sem dúvida alguma se entrelaça com o amor. Este exige a verdade porque supõe o conhecimento.  E a verdade é um gesto de amor porque promove a pessoa a partir da sua realidade. Quem ama não engana. Como diz o apóstolo, o nosso amor deve ser sincero (cf. Rm 12,9), não ocultando ao outro a sua realidade. A verdade vivida no amor, porém, supõe uma pedagogia que conhece momentos e modos de ser aplicada. Não se trata de ser verdadeiro a todo custo, mas de comprometer-se com ela, buscando o discernimento de como e quando dizer o que outro necessita ouvir.  O que importa é ser verdadeiro e não fazer-se de tal.

Pe. Pedro Moraes Brito Júnior

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