sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Guardar no coração!


Um dos traços importantes da espiritualidade bíblica é a memória. O povo de Israel é convidado a recordar-se dos feitos do Senhor em sua vida. As grandes festas judaicas são marcadas por celebrar eventos históricos. A festa mais conhecida é a da páscoa; recorda a libertação da casa da escravidão, o Egito, para a libertação. Para nós, cristãos, a páscoa é celebração do dom maior de Cristo, que por nós morreu e ressuscitou.

O Evangelista Lucas, ao destacar que a Virgem Santíssima guardava e meditava as coisas no coração (cf. Lc 2, 19.51), afirma, portanto, que o viver de Maria está em consonância com a espiritualidade de seu povo. E, ao afirmá-lo por duas vezes, salienta que esta era uma atitude constante em Nossa Senhora.
Maria, deste modo, indica para nós uma qualidade importante do discípulo de Jesus, Ela, que como tal, o é em primeiro lugar. O discípulo é aquele que é chamado a meditar no silencio do coração, fazendo com que o seu viver seja fecundo e consistente. O nosso viver apressado, por vezes, nos automatiza, fazendo-nos perder em profundidade. Nós carecemos de silêncio, mesmo em nossas celebrações. Quanto rumor!

Precisamos do silêncio, de guardar no coração as coisas boas que acontecem em nossa vida. No Magnificat, Maria recorda as “maravilhas” que o Senhor realizou nela. Fazer isto é importante, pois ao recordar ganhamos energia e força para viver o agora. A lembrança da fidelidade de Deus outrora, ajuda-nos a acreditar que Ele continuará sendo fiel no meu momento agora, por vezes difícil.

A infidelidade do povo de Israel começa pelo esquecimento. O livro do deuteronômio está cheio de apelos ao povo para recordar. Os profetas também tiveram a missão de lembrar ao povo a aliança que eles houvera feito com Deus e que deviam fazer jus com a vida.

Nós também, muito frequentemente, esquecemos as coisas boas e damos um destaque intenso ao negativo. Poderíamos dizer que nos tornarmos as nossas recordações. Podemos ser amargos e ressentidos, porque guardamos nos coração os feitos ruins; contrariamente, o sorriso pode despontar nos lábios e o rosto todo se iluminar se tivermos presente os momentos bonitos e significativos.

Afonso Murad afirma que “o amor necessita de memória para não se perder diante das crises”. De fato, mesmo a certeza do amor de Deus em nossa vida precisa ser alimentado com a memória, que saboreia as experiências afetivas e amorosas significativas que ajudam a atravessar as horas duras, a noites escuras. No âmbito relacional entre as pessoas, o mesmo seja dito.

Como Maria, precisamos também cantar o Magnificat; deixar a alma engradecer-se com a recordação das coisas boas. Afinal de contas, a vida não é feita somente de momentos ruins e duros. Temos, com certeza, muita coisa boa para contar.

Quero finalizar com a oração do supracitado autor em quem me inspirei para realizar este texto:
“Senhor, dá-me memória! Tantas vezes tu me visitaste, em quantos momentos fortes senti tua presença! Como cores vivas de um dia de primavera, ou o cheiro único da pessoa amada. Mas me esqueci. As cores vivas desbotaram, o suave odor se misturou a outros. Perdi a memória? Ou ela está escondida num canto qualquer? Senhor, dá-me a memória da fé. Para que os acontecimentos não sejam somente fatos, mas sinais do teu amor. Cria em mim, Senhor, a atitude de Maria, de meditar e guardar no coração. Quero crescer no teu amor e manter-me sempre encantado (a) com a vida. Amém.”


Pe. Pedro Moraes Brito Júnior

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